Há quem diga que não percebemos nada, no final das contas, eu até acho que percebemos tudo.
Tive um dia de praia espectacular. Com amigos. Acordámos bem cedo, o tempo estava uma merda, mesmo assim não desistimos. E eu estive quase... Pegámos nas crianças e nas sanduíches e fizemo-nos à estrada. Valeu tanto a pena não desistir!
A praia acabou numa mesa com caracóis, cervejas, bocas lambuzadas de gelado, gargalhadas e conversas boas. Mas também acabou com um telefonema a dar uma notícia triste da morte repentina de alguém.
Fiquei mal-disposta... Sempre que recebemos notícias destas ficamos assim... Mal-dispostos. Com o duro embate com a realidade. A realidade que tentamos não ver quando acordamos todos os dias. A realidade de que num minuto estamos aqui e no próximo não sabemos.
Agarrei-me aos meus filhos! Pensei nos meus pais. Olhei para os meus filhos a pensar se, se partisse naquele segundo, se teria deixado alguma coisa por lhes fazer. Na verdade, quando morremos, deixamos sempre tudo por fazer. Mas também é verdade que, se pensarmos bem, não deixamos absolutamente nada! Quando alguém morre, temos tendência a enaltecer essa pessoa. Acho que, se morresse, os meus filhos iam lembrar-se apenas das coisas boas que fazíamos e não do ralhete que lhes dei no outro dia só porque estava cansada e me deixou com a sensação de ter sido injusta no minuto seguinte.
Estes momentos dão-nos vontade de viver como se não fossemos acordar amanhã. De dizer a todas as pessoas importantes que as adoramos. De fazer algum pedido de desculpa que tenha ficado pendente. Temos até o desplante de pensar naquela viagem que queríamos tanto ter feito e ainda não houve oportunidade. Ou combinamos que vamos passar a ir contemplar o mar todos os dias.
A verdade é que é impossível viver como se fossemos morrer amanhã. Primeiro porque seria bastante cansativo viver com urgência em deixar tudo bem feito. Depois porque, aquelas coisas que consideramos especiais e temos vontade de as fazer quando nos cheira a morte, deixariam de ser especiais.
Se fosse todos os dias à Indía, deixava de ter vontade de a conhecer. Se comesse todos os dias as minhas comidas preferidas, deixava de conseguir sequer olhar para elas, quanto mais ter vontade de as comer. Se ligar todos os dias aos meus pais a dizer que os adoro, aquelas palavras que quero impactantes na hora em que são ditas, passariam a ser banais.
As coisas especiais são especiais precisamente porque não temos tempo ou oportunidade de as fazer constantemente!
Se calhar estes baques de morte fazem-nos bem de vez em quando, embora eu ache que ninguém devesse morrer! (Só os maus! Esses não fazem cá falta nenhuma!) Faz-nos bem, de vez em quando, lembrarmo-nos que somos finitos. E frágeis. Deve ser por isso que esses momentos nos fazem pensar em coisas importantes! Porque, felizmente, não acontecem todos os dias. E de vez em quando é bom pensar nas coisas importantes que temos para fazer e dizer.
Mas também faz parte da vida acordar, comer, trabalhar, executar tarefas quotidianas, levar os filhos à escola, esquecer de comprar leite, comer os mesmos bifes de frango de sempre, discutir com a mãe ou mandar o senhor do carro da frente à merda. Faz parte da vida. Faz-nos ser imperfeitos. Na verdade faz-nos vivos! E são essas perfeitas imperfeições do dia-a-dia que tornam algumas coisas tão especiais.
Por isso, afinal de contas, acho mesmo que não devemos viver como se amanhã fosse o último dia. Acho mesmo que devemos só viver. Com o bom e o mau que a vida nos dá. Com o melhor ou o pior que conseguimos fazer dela. Sem nos esquecermos de, de vez em quando, fazermos coisas especiais. De preferência sem termos de levar com um baque de morte. Isso seria o ideal! Um dia havemos de ir todos não é?
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