18/03/2018

Era uma vez um 18 e um Cesário Verde

Andei num colégio onde as notas eram valorizadas. Bastante valorizadas. Valorizadas demais. Adorei lá andar mas não punha lá os meus filhos, precisamente por causa disso. Valorizo muito mais o esforço e a superação, do que o resultado em si.

Eu era uma aluna de 15. Provavelmente seria considerada uma excelente aluna numa escola pública da época, mas ali não. Eu sentia-me por vezes constrangida pelas notas que tinha. Quando as notas não eram nada más.

Lembro-me de um dia, quando a professora de português vinha no corredor para nos dar aula, com os testes corrigidos debaixo do braço, todos corrermos na sua direção.

- Stôra! Quanto é que eu tive?

Ela ia elogiando os alunos à minha volta com festas na cabeça e apertos carinhosos de incentivo no braço.

- Tiveste 19! Parabéns! Tiveste 18 minha querida! Tiveste 20, não esperava menos de ti!

Lembro-me de lhe ter feito exactamente a mesma pergunta e ela me ter sacudido a mão (com umas unhas enormes e encarnadas) à frente da cara e, sem sequer me olhar ter atirado um "Tu tiveste 15..." completamente vazio de expressão ou sentimento.

A verdade é que o 15, para mim, era óptimo! Mas não deixei de me sentir humilhada no meio daquela confusão de elogios que ela fazia questão de atirar para cima de todos. Menos para cima de mim. Como se eu não fosse suficiente! Ela não tinha orgulho em mim e nem sequer se interessava.

O Exame Nacional chegou. Assim que percebi que o tema era Cesário Verde, rejubilei. Era um dos meus autores preferidos!

Deixei naquela folha de ponto o meu coração na interpretação do texto. Vibrei em cada palavra e linha que escrevia.

As notas saíram. Tive 18! A melhor nota do colégio no Exame de Português. Subitamente transformei-me na aluna preferida daquela senhora baixinha e redonda de cabelo platinado e os dentes sempre sujos de batom encarnado. Arrastou-me por um braço enquanto bradava aos céus pelos corredores do colégio que a SUA (como lhe conveio naquele momento) aluna tinha tido a melhor nota no Exame Nacional.

Eu revirava os olhos e seguia-a forçada. Deixei-a ter esse prazerzinho momentâneo enquanto o celebrava por dentro só para mim. Ambas sabíamos que aquela nota não tinha sido graças ao seu trabalho. Mas a vaidade não a deixou ser minimamente humilde ou sentir qualquer remorso dos safanões cheios de desprezo que me atirou à cara à frente de todos com os meus 15's nos testes.

Foi nesse dia que aprendi uma grande lição. Até hoje! Que não podemos esperar que os outros façam por nós o que precisamos fazer por nós próprios. Que vai sempre haver alguém a aproveitar-se dos nossos sucessos. E que as coisas, quando são esforçadas com paixão (como aquela que eu tinha por Cesário Verde) saem sempre melhor do que quando as fazemos por obrigação.

Hoje estava no banho a fazer um breve resumo da minha vida e do sítio onde cheguei. E apercebi-me da quantidade de Exames que transformei em 18's e que, desde aquele dia em que saíram as notas do Exame Nacional, nunca mais deixei nenhuma Professora Regina fazer-me sentir humilhada pelos meus resultados.











3 comentários:

vidinha disse...

Aconteceu-me uma situação semelhante, mas na escola pública. A minha professora de alemão, que só passou 2 alunos, voltou-se para mim e disse-me com desprezo "Dou-te o 8 para perceberes que não consegues fazer alemão". Fui a única aluna da turma com positiva no exame nacional. A sua aluna dos 15 valores ia chumbando o ano. Deu-me os parabéns depois de lhe ter dito que afinal sempre sabia qualquer coisa de alemão. Adorei!

Lili disse...

Também me aconteceu uma parecida mas na escola publica e a filosofia e com uma professora!!! Nunca mais me esqueci...

Anónimo disse...

Adorei! Parabens :)